A correria é grande.
Trabalho, chefe, compromissos, projetos.
Tempo curto e compromissos longos.

Trânsito.

Engarrafamento.

Correria.

Chegamos em casa exaustos e nos espera o próximo turno. Sim, ele está lá, à nossa espera, independente e alheio à nossa correria. Independente de sua idade. Tem olhar inquieto e indagador.

Com demandas diferentes, mas sempre à nossa espera. Aguardando com um pequeno jogo ou um livro. Com lição de casa. Com novidades da turma. Mesmo que digam o contrário, estarão à nossa espera.

À espera do nosso melhor.

Aquele mesmo melhor que dedicamos ao nosso trabalho.

Aquela mesma paciência que dedicamos ao nosso patrão que nos cobra incessantemente e para quem sempre temos um pouco mais de respostas positivas. Nos ensinaram o que é resiliência e aplicamos com rigor cartesiano. Como um mantra, recitamos que é preciso ter paciência, resiliência e uma lista enorme de outras ‘ências’ (transparência, paciência, coerência, resiliência, obediência).

E quando chegamos em casa, enfim, estamos no nosso território caloroso (ou deveria ser), nosso ninho. Turbulento ou não, é lá onde deixamos nossos sapatos.

E exauridos, ansiando por pausa,  chega o segundo turno, com um livro, um jogo ou um olhar de súplica. Ou pior, um olhar irritadiço e agressivo. Li uma vez que ‘um beijo é melhor que um tapa, e um tapa é melhor do que nada’ (tapa aqui no sentido metafórico). Todos ansiamos pelo beijo, mas na sua ausência, nos contentamos com o tapa. Pelo menos estou em algum lugar desta cena.

E então, me pergunto: porque tanta dedicação e paciência búdica durante todo o dia e tanta indisposição ao final dele? Porque tanta energia à disposição do trabalho e tanta indisposição com nossos filhos? Porque tanto empenho na montagem e análise das planilhas e tanta falta de empenho na montagem do quebra cabeça de super-herói? De onde vem esta habilidade  em dialogar com a equipe e tão poucas palavras para dialogar com meus filhos?

Claro, é dificílimo. É angustiante também. É caustico não ter a mesma disposição ao final do dia, afinal de contas, já consumimos nosso acervo no desgaste do trabalho, do trânsito, das relações conflituosos, do desencanto. Não há receita mágica e a equação é delicada   por si só, mas eles não tem culpa. E merecem, minimamente, que nos esforcemos para dar a eles a mesma qualidade  de energia que deslocamos para as nossas atividades cotidianas. E considerar que eles fazem parte desta composição diária. Que eles merecem, minimamente o nosso melhor.