Gosto muito de uma crônica que narra a saga de um professor que adormeceu por longos anos.
Este homem adormece e acorda de seu transe após 100 anos…. Atônito, começa a andar pelas ruas e percebe grandes transformações que ocorreram nos anos em que esteve ausente em sua letargia. Viu que o homem havia pisado na lua. Soube que drones vasculham os céus atrás de novidades em visão oblíqua.
Máquinas caseiras são capazes de fazer quase tudo o que as mulheres faziam antes: elas lavam, passam, aspiram, cozinham com hora marcada e sem ninguém por perto. A mulher? Não mais aqui… segue firme com o propósito de trabalhar fora. Computadores e celulares encurtam distâncias e desafiam o tempo com mensagens postadas, literalmente, num zap.
Há controles que, remotos, tudo controlam, tudo sabem, tudo monitoram de sua vida que, agora, se mostra nua perante toda a capacidade desenvolvida de interligar informações.
Mudanças de atitudes, mudanças de olhares e pontos de vista. Mudanças de comportamento e de tamanho das saias. Mudanças nas casas, nos modos de vida, nas relações de trabalho. Mudanças na agricultura e na genética. Nos remédios, na expectativa de vida. Inseminação artificial, produção independente.
O mundo, então visto em fragmentos e comunidades, tornou-se uma aldeia global, toda interconectada. Uma sociedade em rede, como nos ensinou Castel.
Este homem, aturdido por tantas mudanças, caminha para um espaço notadamente familiar; entra, satisfeito, numa escola, enfim sentindo-se em seu habitat natural.
Lá encontra a lousa, o giz, o tablado. Mesas alinhadas. O ser que tudo conhece ensinando aquele que nada sabe. Senta-se confortavelmente em seu lugar contemplativo e sente-se confortável perante o intacto, desafiando o tempo a tantas mudanças.
A crônica aponta um cenário que, felizmente, segue agora em revisão. Inquieta, a educação procura se rever. Procura se assentar neste novo lugar, com tantos desafios, com tantas mudanças, tanta tecnologia. Infelizmente muitas delas acreditam que basta inserir um bom computador e uma plataforma eletrônica montada com capricho para que tenhamos uma educação inovadora, plugada nestes tempos interconectados.
Engano…
O que inova é a inquietação.
O que inova é a mudança do lugar do aprender e do ensinar. Não é o que se ensina, mas o como se ensina.
O que inova é o olhar que acolhe o diferente. Com uma radiografia panorâmica sobre os últimos tempos podemos ver que há muitos diferentes para comporem um conjunto de harmonioso. Somos iguais em nossas diferenças.
Que venha a inquietação de uma educação que procura se plugar neste mundo moderno, mas de onde ainda se possam vislumbrar valores e princípios que nos norteiam (ou deveriam nortear) desde muito antes deste homem adromecer. Que ela seja inquieta, tendo claro que na inquietação também reside a capacidade de acolher e de humanizar.
Um lócus de onde se possa interagir com o conhecimento, visto que ele está posto. Onde se possa traduzir e interpretar, onde se possa criticar e revisitar. Compor o novo a partir dos fragmentos. Nestes tempos de tantas mudanças, onde fica o professor se o conhecimento está posto? Basta um google e voilá… todo o conhecimento à disposição. Copy e past… trabalho bonito e entregue com capricho. Nenhuma incorreção, nenhuma transgressão. Sem transes nem traumas. Mas, e então, se o professor era o que detinha o conhecimento, o que fazer com ele agora? E com o conhecimento?
Há que se repensar a educação e seus inúmeros coloridos, possibilidades, caminhos, trilhas (jamais trilhos). Que não tenhamos a falsa ideia de que só equipamentos são sinônimos de educação moderna. Moderno mesmo é se ver daqui a outros 100 anos, pensando qual é o legado que queremos deixar para os nossos filhos, para as próximas gerações, para o futuro. E entender que é na intersecção da educação que se revisita com os valores que queremos preservar que reside a semente deste futuro que tanto queremos. Vamos a ele!